segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Nordeste larga na frente em estudo do genoma hospedeiro.


Nordeste larga na frente em estudo do genoma hospedeiro

            A região Nordeste é pioneira nos estudos sobre a vacina anti- HIV e tornou-se referência mundial sobre o tema. Uma pesquisa sobre o genoma de hospedeiro (paciente infectado) e vacina terapêutica anti-HIV com células dentríticas ganhou destaque mundial após ser publicada, em janeiro deste ano, numa das revistas internacionais mais relevantes sobre o assunto – a International Journal of the Aids Society. Contribuíram com a pesquisa 18 voluntários portadores do vírus causador da Aids, todos vacinados na primeira fase, em 2004.

            Desenvolvido pelo Departamento de Genética do Centro de Ciências Biológicas (CCB), da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o estudo está sendo coordenado pelo biólogo Sérgio Crovella, CRBio 085111/05-D. “O estudo dessa fase da vacina foi baseado em células dendríticas do paciente, tratadas com vírus autólogo inativado e reinjetado nos pacientes. Dos voluntários, nove responderam bem à vacina

e baixaram a carga viral sem precisar de mais tratamento farmacológico. “A outra metade não respondeu bem e precisou voltar ao tratamento com antirretrovirais”, explica.

            A vacina de imunotratamento que está sendo estudada funciona reativando o sistema imune do paciente do HIV, estabelecendo de novo uma memória imunológica contra epítopos virais. “No mundo existem nove trials clínicos feitos com estratégias parecidas, mas nenhum grupo de pesquisa que trabalha com genoma hospedeiro. Nosso trabalho, que já foi publicado, é pioneiro”, explica Crovella.

           II FASE - Em parceria com o laboratório LIM56 da USP de São Paulo, os cientistas envolvidos já estão desenvolvendo a segunda fase do projeto, em que estão sendo avaliados 25 novos pacientes voluntários. “Em 2015, vamos repetir a análise genômica sobre eles”, conta o pesquisador.

            Dependendo desses resultados, será aberta uma terceira fase com mais de 100 pacientes, para poder chegar ao protocolo final das pesquisas. O objetivo é tirar o tratamento farmacológico dos pacientes e substituir com imunotratamento com dendríticas, que não causam efeitos colaterais.

 

Acesso em: www.crbio5.gov.br

terça-feira, 14 de outubro de 2014

VEM AÍ A NOVA BIOLOGIA. OU NÃO.


Vem aí a nova biologia. Ou não.

Por Rafael Garcia

14/10/14
 

              NOTÍCIAS SOBRE BIOLOGIA voltadas ao público geral com frequência fazem referência à briga de acadêmicos contra o criacionismo o movimento defensor de que seres vivos foram criados por Deus, não pelos processos descritos na teoria da evolução. Ofuscado por essa discussão infrutífera de cientistas lançando argumentos racionais contra mentes religiosas impenetráveis, porém, existe um debate sério sobre se a biologia evolutiva está ou não carente de atualização.
             Esse movimento defende que a chamada “nova síntese” a teoria da evolução de Darwin reformulada à luz da genética e, depois, da biologia molecular– precisa ser recauchutada. Liderados por biólogos como Gerd Muller, da Universidade de Viena, e Eva Jablonka, da Universidade de Tel Aviv, esses pesquisadores defendem aquilo que batizaram de EES (Síntese Evolucionária Estendida). É um corpo de conhecimento baseado em fenômenos que correm paralelamente aos descritos pela seleção natural de Darwin. Mas seria esta nova biologia algo com força suficiente para tornar a nova síntese uma teoria ultrapassada?
           Para defender uma mudança radical, Jablonka recorre a fenômenos como a epigenética transmissão de características que não requer mudança do DNA e à construção de nichos capacidade de animais de alterarem seu próprio ambiente e, portanto, modificar as pressões que a seleção natural exerceria sobre eles mesmos. Também são alvo de estudo da EES o “viés de desenvolvimento” a impossibilidade de organismos de adquirirem certas formas enquanto evoluem e a plasticidade capacidade de um indivíduo de adquirir diferentes formas reagindo a seus ambientes.
            Todos esses fenômenos, que são tratados pela (velha) nova síntese apenas como processos marginais, seriam sinal de que uma teoria de evolução com excesso de foco na biologia molecular se tornou incapaz de dar conta da explicação de processos que ocorrem sem interação com o DNA. Só a incorporação desses outros fenômenos, argumentam, pode salvar a teoria da evolução de se tornar algo ultrapassado.


TRAMANDO A REVOLUÇÃO

            Entrevistei Jablonka em 2007 e achei interessante e bem fundamentada  sua defesa de que a epigenética reabilita ideias malditas do naturalista francês Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829). Mas fiquei incomodado com sua crítica ao conceito de “gene egoísta”, a expressão criada pelo biólogo Richard Dawkins para descrever a centralidade da biologia molecular no processo evolutivo.

            No ano seguinte, um congresso organizado por Jablonka e outros correligionários em Altenberg (Áustria) mostrou com mais clareza qual era a intenção do grupo. Os 16 cientistas presentes finalmente cunharam ali a sigla EES, para colocá-la em oposição ao que chamavam de SET (Teoria Evolucionária Padrão), rebatizando a nova síntese com um nome que a faz parecer algo ultrapassado. Ninguém ali se atreveu a usar o palavrão iniciado com “P”, mas a intenção era claramente a de declarar que a EES seria um novo paradigma na biologia.

            Muita gente se impressionou. Outros, incluindo Dawkins, nunca deram muita bola. Desde então, deixei de acompanhar essa escaramuça, e confesso que a maior parte do conhecimento de almanaque que tenho sobre evolução acabei adquirindo como ouvinte no curso de Hopi Hoekstra e Andrew Berry, professores de Harvard que não simpatizam com o grupo de Jablonka.


CONFRONTO DIRETO

            Foi só lendo a edição desta semana da revista “Nature” que finalmente tomei pé de como está essa discussão agora, ao me deparar com dois artigos, um a favor e um contra decretar que a teoria da evolução precisa ser repensada. Em contraposição estavam justamente as duas biólogas que já tive o privilégio de ouvir pessoalmente, Jablonka e Hoekstra, além de seus coautores.

            Vale a pena ler. Como já deixer transparecer meu viés aqui, posso dizer que a argumentação de Hoekstra me convenceu de que a sigla EES é mais um adendo teórcico do que uma revolução. É uma tentativa de alguns biólogos de se autoatribuírem a responsabilidade por uma mudança de paradigma, quando, na verdade, o que ocorre é um avanço gradual, no qual epigenética, construção de nicho, plasticidade etc. vão se integrando à teoria da evolução tradicional.

            Mas o grupo da EES não quer saber de se render. “Essa não é uma tempestade num copo d’água acadêmico, é a luta pela própria alma da disciplina [da evolução]”, escreve o grupo de Jablonka, num texto com Kevin Laland como autor principal. Hoekstra retruca: “Nós também queremos uma síntese evolucionária estendida, mas para nós essas palavras estão em letra minúscula, porque nosso campo sempre avançou assim”.

 
DE VOLTA ÀS ORIGENS

 
            Talvez seja tudo uma questão de nome. Darwin, por exemplo, publicou um livro inteiro sobre como minhocas alteram seu próprio ambiente por meio de sua ação no solo. “Hoje nós chamamos esse processo de construção de ninho, mas o novo nome não altera o fato de que biólogos evolucionários têm estudado feedback entre organismos e seu ambiente por mais de um século”, diz Hoekstra.

            O problema, talvez, seja o de achar que a biologia precisa de uma grande ruptura, para seguir em frente apenas por meio de grandes saltos. A quebra de paradigma, o modelo de avanço científico descrito pelo filósofo Thomas Kuhn, não se aplica muito bem à biologia, já defendia o saudoso Ernst Mayr, biólogo com importantes contribuições filosóficas à disciplina. “Precisamos também lembrar que Kuhn era físico e que sua tese reflete o pensamento ‘essencialista’ e ‘saltacionista’ tão disseminado na física”, escreveu.

            Mesmo a teoria de Darwin, a coisa que mais próxima de uma revolução que já ocorreu dentro da biologia, levou quase um século de debates e avanços graduais para se consolidar na forma da nova síntese. Não se estabeleceu de forma tão brusca quanto a relatividade de Einstein, por exemplo. E mesmo a física pós-Einstein não parece estar avançando em saltos tão grandes. Não há nada de errado com a ciência feita por Jablonka, Muller e seus colegas, que têm dado boas contribuições para entender processos biológicos complexos. Mas vender o advento da epigenética e companhia como uma revolução me parece algo um tanto caricaturesco.