Por
Salvador Nogueira
26/05/14
06:04
CINCO
PROVAS DA EVOLUÇÃO DAS ESPÉCIES
Este é um assunto dos mais
controversos: a origem das espécies, desde as bactérias mais simples
até os orgulhosos seres humanos. A razão básica da confusão é que algumas
pessoas querem fazer crer que existe um conflito intrínseco entre a teoria da
evolução pela seleção natural e as religiões. É mentira.
Uma diferença importante entre elas
é que a ciência, por sua própria natureza, se propõe a estabelecer (tanto
quanto possível) fatos objetivos. Já a religião fala de “verdades” pessoais.
Por isso cada um de nós pode ter suas próprias crenças, mas temos todos em
comum uma única ciência. E também é por isso que neste texto, daqui em diante,
vamos discutir apenas ciência. Começando do rasinho. Como se produz o
conhecimento científico?
A coisa funciona do seguinte modo:
primeiro deparamos com um fenômeno que desejamos compreender. Pode
ser qualquer coisa. Um exemplo simples: como acontece a chuva? Diante do
enigma, parte-se para formular uma hipótese. Podemos, por exemplo, imaginar que
a chuva está ligada à temperatura da água. Se aquecida, ela vira vapor e sobe.
Se resfriada, ela cai de volta no chão. Certo, temos nossa hipótese. E agora? A
ciência dita que precisamos colocar essa ideia à prova. Testá-la com
experimentos e observações.
Podemos esquentar a água com fogo e
notar que, a partir de um determinado momento, ela começa a subir para o ar, na
forma de fumaça. E se aprisionarmos esse vapor ascendente num recipiente
notaremos que, ao entrar em contato com a superfície mais fria, ele volta a
virar líquido. E percebemos que isso acontece também no mundo lá fora, embora
em ritmo bem mais lento. Uma poça d’água desaparece sob a ação da luz do Sol e
volta a se formar quando água cai do céu em forma de chuva. Grosso modo, a
confirmação de nossa hipótese a converte em teoria. Ela não é mais só um
exercício racional de adivinhação. Ela é uma explicação concreta que nos
permite compreender e até mesmo prever fenômenos.
Essa nossa teoria simples da chuva
explica toda a história? Claro que não. Sobre ela outros cientistas teriam de
formular outras hipóteses, que explicam como a água pode evaporar mesmo que a
poça inteira nunca atinja a temperatura necessária, ou como a água se aglutina
em nuvens e o que acontece na atmosfera para fazê-la se liquefazer e, enfim,
chover de volta ao chão. Essas hipóteses serão postas à prova e gerarão novas
teorias, que tornarão nossa compreensão do fenômeno ainda mais refinada. Mas
note que novas teorias não substituem as antigas. Elas aprofundam o
entendimento, sem anular as conclusões obtidas antes.
É a tal história do Isaac Newton,
que ao formular as bases da física moderna se disse “sobre os ombros de
gigantes”. Ele construiu sua obra sobre alicerces sólidos. A ciência é um muro
de tijolos. Novos tijolos são constantemente colocados no muro. Mas os antigos
raras vezes são substituídos. No mais das vezes, eles continuam formando a
parede, que fica cada vez mais alta, permitindo que enxerguemos cada vez mais
longe.
Por isso é de uma desonestidade
intelectual profunda acusar a evolução pela seleção natural de ser “apenas uma
teoria”. Em ciência, uma teoria é o máximo que uma ideia pode chegar a ser. E
ela atinge esse ponto só depois que foi corroborada por observações e
experimentos. Só depois que ela se mostra a melhor explicação possível para um
certo conjunto de dados.
É nesse contexto que vamos
apresentar aqui cinco provas da evolução das espécies. Os mais atentos talvez
queiram criticar meu uso da expressão “provas”, lembrando o filósofo da ciência
Karl Popper, que sugere que observações só podem refutar teorias, mas nunca
prová-las. Concordo com Popper. Mas uso aqui o termo “provas” no sentido
jurídico. Imagine que estamos num tribunal, que julgará a veracidade da teoria
da evolução. O Mensageiro Sideral se apresenta como promotor, apontando provas
circunstanciais conclusivas. Decerto os opositores apresentarão seus argumentos
de defesa nos comentários abaixo. E o juiz do caso? É você, caro leitor. Leia,
reflita e julgue os fatos.
ANTES
DE MAIS NADA, O QUE É A TEORIA DA EVOLUÇÃO?
Formulada por Charles Darwin e
Alfred Russel Wallace independentemente e apresentada em 1858, ela parte de
pressupostos simples e incontestáveis.
A primeira premissa é que os seres
vivos de uma determinada espécie, por mais parecidos que sejam, apresentam,
naturalmente, pequenas diferenças entre si. Isso é mais do que evidente. Basta
olhar ao seu redor. Somos todos humanos, mas cada um é um pouquinho diferente
do outro. Um mais baixo, um mais alto, um loiro, um moreno, e assim por diante.
A segunda premissa é que os seres
vivos podem transmitir essas pequenas diferenças que os caracterizam a seus
descendentes. E isso também é mais do que evidente. Por isso filhos de morenos
são morenos, filhos de altos são altos, e por aí vai.
A terceira — e crucial — premissa é
que, no mundo natural, algumas características são mais vantajosas que outras.
Hoje, na população humana, isso não é muito evidente. Mas ainda acontece. Um
exemplo: um pequeno número de pessoas na África parece ser imune ao HIV. Muitos
esforços têm sido feitos pelos médicos para reduzir o impacto que o vírus da
Aids tem na mortalidade humana, mas imagine um mundo sem medicamentos. O que
aconteceria na África? Os que não resistem ao HIV morreriam, em muitos casos
sem deixar descendentes. Os imunes sobreviveriam e teriam mais filhos. Ao longo
das gerações, aumentaria a porcentagem de pessoas com imunidade natural ao HIV.
Isso é seleção natural. É a pressão
que a natureza exerce para selecionar certas características e eliminar outras.
Pois bem. Até aí, absolutamente nada
de controverso. O salto que Darwin e Wallace deram foi partir dessas premissas
e concluir que, ao longo de períodos muito grandes de tempo, esse processo de
seleção natural poderia produzir novas espécies a partir de um ancestral comum.
Como eles chegaram a essa conclusão? Observando o mundo natural. Note, por
exemplo, o clássico exemplo apresentado pelo próprio Darwin, ao refletir sobre
os tentilhões — grupo de espécies de pássaro — das ilhas Galápagos, que o
naturalista estudou pessoalmente ao passar pela América do Sul, em 1835. Ele
notou que cada ilha do arquipélago tinha suas próprias espécies de tentilhões,
cada uma com um formato de bico próprio.
Os tentilhões de Darwin, observados nas ilhas
Galápagos. Seleção natural em funcionamento.
Como explicar isso? Darwin imaginou
que todos eles tinham um ancestral comum. Separados em suas respectivas ilhas,
eles enfrentaram ambientes naturais ligeiramente diferentes, que por sua vez
selecionariam características diversas. Ao fim de milhões de anos, terminamos
com espécies diferentes de tentilhão.
O mesmo raciocínio pode ser aplicado
a toda a vida na Terra, e foi o que Darwin e Wallace fizeram. Se imaginarmos
que todos os seres vivos atuais têm um ancestral comum separado de nós por
cerca de 4 bilhões de anos de seleção natural, temos uma explicação para a
origem de todas as espécies. Uma explicação que é passível de teste. E que foi
testada e corroborada de forma contundente, como veremos a seguir.
Um senão importante é que a teoria
diz respeito exclusivamente à origem das espécies. Ou seja, como, a partir de
uma única forma de vida, acabamos com uma biosfera tão incrível e diversa como
a nossa. A teoria nada fala sobre a origem da vida em si. Como o primeiro ser
vivo submetido ao processo de seleção natural veio a ser é outro mistério, um
que ainda não tem uma solução científica clara (embora diversos caminhos
promissores já se insinuem a esse respeito).
PROVA
NÚMERO UM – O DNA
Manja teste de DNA, aquele usado
corriqueiramente para determinar paternidade de bebês? Você acredita nele? Pois
bem. Hoje temos tecnologia para comparar o DNA não só de humanos diferentes,
mas de diversas espécies diferentes. Essa análise revela que todos os seres
vivos que já investigamos têm algum grau de parentesco com todos os demais.
Trata-se de uma confirmação incrível da teoria da evolução pela seleção
natural. Tão contundente como um teste de paternidade diante de um juiz de
família.
A história da evolução está escrita no DNA. É só
saber ler.
É interessante notar que, no tempo
de Darwin, o DNA nem era conhecido, muito menos seu papel na transmissão das
informações genéticas. Ele e Wallace estavam tateando às escuras, por assim
dizer. Quando o DNA foi descoberto e, mais tarde, aprendemos a “lê-lo”, ele
poderia ter refutado completamente a evolução. Bastaria para tanto que os
organismos tivessem genes tão diferentes entre si que não se estabelecesse grau
de parentesco entre eles.
Contudo, não foi o que se observou.
Se olharmos para o DNA humano e compararmos com o do chimpanzé, descobrimos que
a diferença entre eles é de cerca de 4%. Ou seja, a receita para a fabricação
de um chimpanzé é, em 96%, idêntica à que produz um ser humano. O que isso significa que nós
evoluímos dos macacos? Claro que não! A afirmação de que o homem veio do
chimpanzé está errada. Tanto o homem como o chimpanzé evoluíram de um ancestral
comum, que não era nem uma coisa, nem outra.
O mesmo exercício pode ser feito
entre outras espécies, com resultado similar. Também temos um ancestral comum
com os camundongos. E com os répteis. E com os insetos. E com as plantas. E com
as bactérias. E com todo mundo que já analisamos até hoje. O que nos leva ao
motor da evolução por seleção natural — as mutações.
PROVA
NÚMERO DOIS – MUTAÇÕES
Hoje conhecemos bem os mecanismos
que existem no interior de cada célula para replicar o DNA. Há um sistema
integrado de monitoramento e correção que tenta identificar falhas na
replicação e impedir que elas se perpetuem — se preciso for, induzindo o
próprio suicídio celular. No entanto, sabemos também que esse sistema não é à
prova de falha. De vez em quando, pequenas mudanças passam. Acontece direto.
Nas suas células. Agora. Na maior parte das vezes, ocorre em trechos do DNA que
não codificam informação genética, e aí pode não haver consequência nenhuma. Se
acontecem num pedaço de DNA que tem informação importante, podem produzir
efeitos bem sérios. Na maior parte das vezes, esses efeitos são ruins — o
câncer é resultado de mutações em células, alterações que atingem justamente o
sistema que induz ao suicídio celular quando há falhas de replicação do DNA. As
células saem de controle e se multiplicam sem parar, às custas do resto do
organismo.
Contudo, em alguns casos, as
mutações podem produzir manifestações que não incapacitam a pessoa. E,
claro, quando acontecem nas células germinativas, precursoras de
espermatozoides e óvulos, elas não afetam o sujeito em si, mas afetarão a
geração seguinte — para o bem ou para o mal.
Isso não é ficção ou especulação. É
fato. Note que os seres humanos diferem entre si no seu DNA em cerca de 0,5%.
Ou seja, meu genoma é diferente do seu por essa quantidade. A maioria dessas
diferenças consiste em mudanças em uma única letra, o que os cientistas chamam
de SNPs (polimorfismos de nucleotídeo único, ou, mais simpático, “snips”).
Sabendo que isso acontece e que a vida tem quase 4 bilhões de anos na Terra, o
difícil é inventar um mecanismo que impeça a evolução. É muito mais complicado
termos espécies estáticas, imutáveis, do que espécies em eterna transmutação ao
longo das eras geológicas, movidas por mudanças pequenas e graduais. Bem, mas
se essas mudanças foram graduais, não deveríamos ter formas intermediárias
entre os animais vivos hoje? Claro que deveríamos! E temos! Basta olhar os
fósseis.
PROVA
NÚMERO TRÊS – FÓSSEIS
Na época de Darwin, os fósseis já
estavam na moda, embora fossem poucos e incompreendidos. Foi justamente naquele
tempo que começaram a ser identificados os primeiros dinossauros. Sabemos hoje
com base em evidências geológicas concretas que eles viveram entre 230 milhões
e 65 milhões de anos atrás. E uma olhada neles revela o que a evolução é capaz
de fazer ao longo de períodos imensos de tempo.
Sabemos, por exemplo, que as aves
modernas têm como ancestrais dinossauros terópodes. E como podemos saber disso?
Além de observarmos características similares entre os ossos de um grupo e de
outro, há algumas espécies extintas que parecem uma exata mistura dos dois.
Pegue o arqueoptérix, por exemplo, que viveu cerca de 150 milhões de anos
atrás. Ele é metade ave, com penas capazes de voo e asas, e metade dinossauro,
com dentes e tudo. Tanto dinossauros como aves são as únicas criaturas que têm
aquele famoso “ossinho da sorte”. E uma análise de proteínas remanescentes de
uma coxa de tiranossauro mostrou em 2005 que o colágeno dos músculos do bichão
é muito parecido com o das galinhas modernas. São provas incontestes do
processo evolutivo.
Fóssil de arqueoptérix, metade-ave,
metade-dinossauro. Ele viveu há 150 milhões de anos.
E toda a árvore da vida está cheia
dessas formas intermediárias, hoje extintas. Diversos hominídeos descobertos
mostram um aumento crescente da caixa craniana de nossos ancestrais.
Obviamente, aumento de cérebro (e de inteligência) foi favorecido pela seleção
natural, o que explica o processo.
É verdade que não existe na Terra
nenhuma espécie viva mais inteligente que a nossa. Mas isso não quer dizer que
exista um abismo intransponível entre nós e nossos parentes no reino animal, em
termos de comportamento.
PROVA
NÚMERO QUATRO – COMPORTAMENTO ANIMAL
Costuma-se fazer uma distinção clara
entre humanos e o resto do reino animal. Nós seríamos inteligentes,
sofisticados, capazes de abstrações, conscientes de nós mesmos. Os demais não
teriam consciência de si mesmos e seriam estúpidos.
Essa distinção é puro preconceito. A
teoria da evolução por seleção natural sugere que essa escalada da inteligência
e da consciência deveria ser um aclive suave, e não uma divisão abrupta. Se os
evolucionistas estivessem errados, encontraríamos mesmo esse abismo. Mas os
etólogos (estudiosos do comportamento animal) encontram cada vez mais
evidências de que muitos dos atributos originalmente concedidos só aos humanos
estão presentes no reino animal.
Veja os chimpanzés mesmo. Eles são
menos espertos que os humanos, fato, mas ainda assim são bem espertos. E fazem
coisas que, até outro dia, achávamos que fossem exclusividades nossas.
Chimpanzés não falam, mas são capazes de aprender linguagem de sinais e
conseguem comunicar ideias simples. Constroem e usam ferramentas rudimentares.
Seu nível de inteligência para o uso de ferramentas é comparável ao de uma
criança de cinco anos! Gostam de montar quebra-cabeças só por diversão, como
nós. Conseguem contar até 40 e fazer operações aritméticas simples. E são
capazes de algum nível de empatia. Não são animais estúpidos. São mais
parecidos conosco do que gostaríamos de admitir. Não há vergonha nenhuma em ser
primo dos chimpanzés. Apesar daquela mania horrível de jogar cocô nos outros,
eles são legais e representam nosso elo mais próximo na imensa corrente da vida
na Terra.
Mais parecidos conosco do que alguns gostam de
admitir. Mas DNA não mente.
Apesar disso, seguimos caçando-os
sem dó. Limitados à África, eles estão ameaçados de extinção. Estima-se que
existam cerca de 150 mil chimpanzés em liberdade na natureza hoje. Humanos, são
7 bilhões. E subindo. Não é impensável que nossos parentes mais próximos passem
à categoria de fósseis em pouco tempo. A situação dos gorilas, que também estão
perto de nós evolutivamente, é ainda mais dramática. Seleção natural na sua
forma mais cruel. Nossa inteligência, mal empregada, está os destruindo. A
troco de nada. Quem é o inteligente mesmo?
PROVA
NÚMERO CINCO – PSEUDOGENES
Os chimpanzés e gorilas podem sumir,
mas a vida é um contínuo, graças à evolução. Em meio ao DNA dos mais de 7
bilhões de humanos, existem pedaços de genes de nossos ancestrais comuns, inativos,
mas ainda lá. Esse talvez seja a maior evidência de evolução já encontrada. As
mutações por vezes desativam genes não essenciais, tornando-os não funcionais
sem inviabilizar a vida do indivíduo e a passagem da modificação à próxima
geração.
Aí esses chamados pseudogenes
continuam guardados no genoma, mas não servem para grande coisa no organismo.
Viram algo como um “museu da vida”, guardado no interior das nossas células.
Além de permitirem que, ao lermos suas sequências, possamos traçar com precisão
nossa ancestralidade evolutiva, eles servem como uma “reserva” para o futuro da
evolução. Especula-se que genes inativos possam, com novas mutações,
tornarem-se ativos novamente, produzindo características novas que se
submetam à seleção natural.
Os cientistas mais ousados, por
exemplo, especulam sobre a possibilidade de reconstruir os genomas de
dinossauros extintos “pescando” pseudogenes em seus descendentes — as aves
modernas — e reativando-os. Díficil? Sem dúvida. Talvez até impossível para
essas criaturas, que sumiram há 65 milhões de anos. Mas pode ser uma
estratégia viável para trazer os mamutes, extintos há 12 mil anos, de volta à
vida. São incríveis perspectivas que só se abrem porque a evolução é um fato.
O
RESUMO DA ÓPERA
Como se pode ver, a evolução por
seleção natural é uma teoria que explica muita coisa. Ela poderia ser superada
por outro paradigma científico no futuro? Em tese sim. Mas onde está esse
paradigma?
Alguns dizem que a melhor explicação
para a diversidade da vida seja o que eles chamam de Design Inteligente — a
ideia de que a vida é sofisticada demais para que suas incríveis nuances fossem
produzidas pela seleção natural, e que somente uma consciência superior poderia
ter produzido os seres vivos terrestres, individualmente, espécie por espécie.
Certo. É uma hipótese. Vamos
testá-la? Se o Design Inteligente estiver certo, não devemos encontrar
parentesco claro entre todas as espécies estudadas ao investigar seu DNA. Afinal de contas, se cada uma delas
foi individualmente projetada por uma inteligência superior, não haveria razão
para termos, por exemplo, distribuição similar dos genes pelos cromossomos em
diferentes espécies. Aliás, deveríamos encontrar distribuições bem diferentes,
otimizadas para cada forma de vida. Não é o que vemos.
Outra conclusão que advém da
hipótese do Design Inteligente é que as diferenças entre as espécies não podem
ser usadas para estimar a época em que elas divergiram (até porque, pelo Design
Inteligente, elas nunca teriam divergido para começar, tendo sido criadas
individualmente). Em resumo, deveria haver profundo desacordo entre estimativas
da época da especiação feitas com base na genética e o registro fóssil. Nos
casos estudados até agora, vemos que há acordo razoável. A genética sugere, por
exemplo, que o ancestral comum entre humanos e chimpanzés viveu entre 5 milhões
e 7 milhões de anos atrás. Os fósseis de formas intermediárias suportam essa
estimativa. A australopiteca Lucy, por exemplo, que seria posterior à
divergência, viveu cerca de 3,2 milhões de anos atrás. Ótimo encaixe com a
teoria da evolução, péssimo para a concorrência.
Aliás, os fósseis em geral
apresentam um desafio intransponível para o Design Inteligente. Porque eles
revelam não só a época em que certas espécies foram extintas, mas também a
época em que certas espécies apareceram. E vemos que as espécies surgem
paulatinamente, num processo contínuo, ao longo de bilhões de anos. O Designer
passou todo esse tempo por aqui, introduzindo uma a uma as novas espécies? E,
curiosamente, adotou um ritmo de introdução das espécies exatamente compatível
com o que seria produzido pela evolução por seleção natural, segundo nossas
estimativas de mutações?
Outra coisa: por que o Designer usou
formas intermediárias nesse processo? Por que ele teve de produzir Homo
habilis, Homo erectus e Homo ergaster antes de fazer o glorioso Homo sapiens?
Fosse uma criação inteligente e projetada sob medida, não precisaria de formas
intermediárias. Só a evolução explica esse processo.
Por fim, uma conclusão possível do
Design Inteligente é que espécies modernas seriam tão boas e adaptadas
quanto possível. Existe espaço para aperfeiçoamento na biologia terrestre? Ô se
existe. Outro dia, um grupo de pesquisadores inseriu nanocápsulas em células de
plantas e melhorou o rendimento da fotossíntese em 30%. E nós, humanos,
supostamente o supra-sumo, temos um apêndice, cuja única função parece ser
causar apendicite, e os dentes do siso, que precisam ser extraídos na maior
parte de nós porque não nos cabem na boca. Que diabo de projeto inteligente é
esse? Por que temos órgãos vestigiais? Por que o Designer se deu ao trabalho de
disfarçar toda a biosfera para fazer que ela evoluiu, se esse não foi o caso?
O Design Inteligente não explica
nada. Nem de longe. E a evolução já tem evidências demais para que a
descartemos como uma infeliz coincidência. Vamos aos fatos: entre nós e os
chimpanzés, 96% de identidade no DNA. Se você prefere acreditar que nós e eles
fomos criados separadamente por um Designer, tem de se perguntar por que esse
Criador quis fazer você exatamente como se fosse primo dos macacos.
Deixo, afinal, uma pergunta para
reflexão. Qual é o Designer mais inteligente: aquele que constrói um relógio
automático liga-o e vê, satisfeito, como cada ponteiro avança sozinho no
momento preciso para marcar o tempo, ou aquele que constrói um relógio e fica,
em sua paciência infinita, empurrando os ponteiros com o dedo a cada segundo
para mantê-lo sempre marcando a hora certa?