terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Minha solução da equação de Drake Por Salvador Nogueira 11/12/14 05:59

Quantas civilizações comunicativas — ou seja, transmitindo sinais que poderíamos em tese detectar — existem na Via Láctea? Essa talvez seja a pergunta mais intrigante a permear o campo da SETI, sigla inglesa para a busca por inteligência extraterrestre.
 
Quantas civilizações podemos esperar encontrar lá fora? A estimativa desse parâmetro — que equivale à chance de encontrarmos outras sociedades alienígenas sem deixarmos nosso próprio Sistema Solar, só mantendo comunicações remotamente por rádio ou por laser, viajando à velocidade da luz — é expressa na famosa equação de Drake.
 
N = R* x fp x ne x fl x fi x fc x L Não se assuste.
 
É apenas uma sequência de parâmetros que, multiplicados, poderiam ser interpretados como uma estimativa do número de civilizações comunicativas em nossa galáxia. Veja como não tem muito mistério. N = número de civilizações comunicativas na Via Láctea
R* = número de estrelas que nascem a cada ano na galáxia
fp = fração das estrelas que têm planetas
ne = número de planetas similares à Terra por sistema
fl = fração de planetas tipo Terra em que a vida evolui
fi = fração de planetas vivos com seres inteligentes
fc = fração de planetas com tecnologia de comunicação
L = tempo de vida médio de uma civilização comunicativa
 
                Criada em 1961 pelo radioastrônomo americano Frank Drake na primeira reunião de SETI feita nos EUA, ela é até hoje a expressão suprema do quanto ainda não sabemos para responder adequadamente à pergunta: “Estamos sós no Universo?”
Em meu novo livro, “Extraterrestres”, apresentei detalhadamente toda a história da equação e algumas das estimativas mais famosas produzidas com base nela. Uma das mais otimistas, feita por Carl Sagan em 1966, sugeria a existência de 1 milhão de civilizações na Via Láctea. Já as mais pessimistas, representadas por pesquisadores como Don Brownlee, Peter Ward e Ernst Mayr, sugere que estamos efetivamente sozinhos na galáxia e, quiçá, no Universo. Na obra, furtei-me a fazer minha própria conta.
 
               Mas agora vai. Recentemente, proferi uma palestra sobre a equação de Drake no ITA, em São José dos Campos, e aproveitei a deixa para refletir um pouco sobre os parâmetros expressos nela. Então aperte os cintos, porque em mais alguns parágrafos você saberá qual é a estimativa do Mensageiro Sideral acerca da possibilidade de detectarmos sinais de rádio de outras civilizações!
 
R* (número de estrelas que nascem a cada ano na galáxia) (grau de confiança: alto) Esse talvez seja o único parâmetro que nunca foi controverso na equação. Ele consiste em basicamente estimar o total de estrelas na Via Láctea e dividir pelo tempo de existência da galáxia. Mas decidi assumir uma perspectiva conservadora e pensar apenas em estrelas similares ao Sol, dos tipos G e K. Elas correspondem a cerca de 20% do total da Via Láctea. Arredondando os números e calibrando com base em estimativas mínimas, temos que a galáxia tem cerca de 10 bilhões de anos e aproximadamente 20 bilhões de estrelas G e K. Dividindo um pelo outro, temos que:
R* = 2
 
Fp (fração das estrelas que têm planetas) (grau de confiança: alto)
 
Até 1995, não conhecíamos um exemplo sequer de planeta em torno de estrela similar ao Sol. De lá para cá, contudo, aumentamos muito esse valor, além de termos aprofundado a compreensão de como se formam os sistemas planetários. A essa altura, está praticamente confirmada a premissa de Giordano Bruno, segundo a qual cada estrela é um sol e possui sua própria família de planetas. Sabemos que a formação de mundos ao redor de estrelas é um processo natural. Nem todos os sistemas gerados acabarão em configurações estáveis, mas já se pode dizer que, em média, para cada estrela, pelo menos um planeta existe na Via Láctea. Logo: fp = 1
 
ne (número de planetas similares à Terra por sistema)
(grau de confiança: médio)
Um estudo feito por Erik Petigura e colegas, publicado no ano passado na revista “Proceedings of the National Academy of Sciences”, usou dados do telescópio espacial Kepler para estimar a incidência de planetas potencialmente rochosos — similares em composição à Terra — em órbitas localizadas na zona habitável de suas estrelas — onde a quantidade de radiação é adequada para a manutenção de água líquida na superfície. O resultado foi animador: 22% das estrelas dos tipos G e K devem ter pelo menos um planeta potencialmente habitável. Uma Terra a cada cinco sóis! Logo: ne = 0,2
 
fl (fração de planetas tipo Terra em que a vida evolui)
(grau de confiança: baixo)
Uma coisa que os cientistas não gostam de admitir livremente, embora seja a mais pura verdade, é que não sabemos quais são os passos que levam ao surgimento da vida em planetas como a Terra. Temos uma boa ideia de quais são os pré-requisitos — água, química orgânica complexa e fontes de energia — e de quais as peças necessárias para a produção de vida como a conhecemos (RNA, DNA e aminoácidos encadeados em proteínas).
 
Mas não sabemos em que ordem ou com que facilidade eles se produzem. A única informação que temos a esse respeito vem do registro fóssil na Terra. E ele sugere que a vida apareceu assim que as condições se fizeram adequadas (e um enorme bombardeio de asteroides cessou), cerca de 3,8 bilhões de anos atrás. O fato de que tudo foi rápido por aqui faz parecer que a vida é um desfecho natural de reações químicas.
 
Por outro lado, como só temos um exemplo, talvez a Terra represente um caso à parte. Por isso é tão importante confirmar que Marte (ou qualquer outro lugar) também teve vida. Confirmaria essa premissa de que a vida surge sempre que as condições são adequadas. Por ora, temos indícios fracos e indiretos de que pode ter havido vida em Marte, mas nada conclusivo. Da mesma maneira, a ciência demonstrou em laboratório várias reações químicas essenciais ao surgimento da biologia. Então, ainda que isso seja um tiro no escuro, parece mesmo que não há nada de particularmente improvável com a vida. Dando um salto de fé, o Mensageiro Sideral estima que:
fl = 1
 
fi (fração de planetas vivos com seres inteligentes)
 
(grau de confiança: baixíssimo)
 
 Essa talvez seja uma questão que pode ser mais bem avaliada se a quebramos em duas. Pois são dois os passos necessários para saltar de vida simples, unicelular, para nós. Precisamos primeiro atingir o estágio de vida complexa, multicelular. E somente depois partimos para vida inteligente. Na Terra, o surgimento da vida complexa ainda é um mistério. Depois de cerca de 3 bilhões de anos de vida unicelular, de repente, uma multidão de formas animais e vegetais começou a aparecer. O que levou a isso? Não sabemos, mas há indícios de que esse passo evolutivo esteja atrelado ao aumento de oxigênio atmosférico, que por sua vez teve ligação, ao menos aqui, com o advento da fotossíntese em bactérias. Mas essa oxigenação atmosférica não parece ser um desfecho certeiro da evolução da vida simples.
 Ela depende das circunstâncias geológicas e astronômicas envolvidas. Exemplo: planetas em torno de estrelas anãs vermelhas podem ter sua atmosfera enriquecida em oxigênio sem nem receber ajuda de formas de vida fotossintetizantes. Por outro lado, dependendo do tamanho dos oceanos e do nível de atividade vulcânica visto num planeta, ele pode ser mais ou menos capaz de absorver o oxigênio produzido sem que ele se acumule no ar. Tomando a vida terrestre como base, durante cerca de três quartos de sua existência o nível de oxigênio foi insuficiente para a vida complexa. Podemos então estimar a probabilidade do salto para a vida complexa em 25% (0,25).
 
E depois que a vida complexa surge, é certo que uma espécie inteligente como nós irá aparecer?
De jeito nenhum. Mais uma vez, deparamos com uma estimativa difícil de fazer. Afinal, não sabemos o que leva à inteligência.
 
Alguns craques da biologia, como Ernst Mayr, sugerem que é um desfecho vastamente improvável, haja vista que apenas uma linhagem evolutiva, dentre bilhões de espécies que já viveram sobre a Terra, chegou lá. O que talvez ele não leve em conta é que qualquer planeta com uma biosfera acabará produzindo bilhões de espécies, o que meio que anula o argumento na base da força bruta. Uma pista que considero mais concreta reside no fato de que, em circunstâncias de estabilidade ambiental, a evolução acaba empacando.
 Isso explica por que há criaturas que permaneceram praticamente inalteradas por centenas de milhões de anos — o ambiente em que elas vivem também pouco mudou. Ou seja, se vivêssemos num “planeta-marasmo”, em que nada acontece no ambiente, provavelmente a chance de surgir uma espécie inteligente cairia bastante. Mas esse não foi o caso da Terra, nem deve ser o estado geral dos planetas no Universo. Sabemos que, nos últimos 500 milhões de anos, a Terra passou por cinco grandes extinções em massa.
 
São basicamente “resets” na história da vida, em que a evolução é desafiada a começar tudo de novo, quase do zero. Isso, na minha modesta opinião, deve aumentar a chance de evolução de criaturas inteligentes. Exemplo: se os dinossauros não tivessem sido extintos por um asteroide, 65 milhões de anos atrás, não haveria chance para a evolução dos mamíferos de grande porte, dentre os quais a linhagem dos primatas se notabilizaria pelo surgimento de um macaco sem rabo que pegou a mania de se chamar de Homo sapiens.
 
Em resumo, a Terra teve cerca de 500 milhões de anos de vida complexa e, com cinco resets, sabemos que pelo menos um produziu uma espécie inteligente. Tratando como típico um sucesso em cinco tentativas, o Mensageiro Sideral estima a probabilidade de vida complexa se converter em inteligente em 20% (0,2). Juntando as duas estimativas, temos que
fi = 0,25 x 0,2. fi = 0,05
 
fc (fração de planetas com tecnologia de comunicação)
(grau de confiança: baixo)
 
 Não basta ser inteligente; é preciso ser comunicativo. Ou seja, no mínimo precisamos criar radiotelescópios capazes de transmitir e captar sinais com potência para atravessar a distância entre as estrelas. Pergunta: será que o destino manifesto da humanidade (ou de qualquer outra civilização) é desenvolver a tecnologia até no mínimo este ponto? Difícil dizer. Por um lado, o fato de vermos até hoje culturas de caçadores e coletores convivendo com sociedades movidas a internet sugere que a humanidade não tinha um traçado pré-definido. Por outro lado, vemos muitas invenções e descobertas sendo feitas diversas vezes ao longo da história, sugerindo que há certos padrões incontornáveis, se houver tempo suficiente. Além disso, precisamos levar em conta que o tempo envolvido na evolução cultural é muito pequeno comparado às escalas astronômicas. Ainda que tenhamos levado 200 mil anos para ir de homens das cavernas a tuiteiros, isso é uma fração pequena de tempo diante do tempo de vida do Sistema Solar, ou mesmo do bem mais modesto tempo médio até o próximo reset biológico (considerando a média de um reset a cada 100 milhões de anos, ainda temos 35 milhões de anos pela frente). Isso me leva a pensar que, eventualmente, toda sociedade inteligente acaba por se tornar comunicativa. Logo:
fc = 1
 
L (tempo de vida médio de uma civilização comunicativa)
(grau de confiança: baixo)
 
 Quanto tempo vive uma sociedade que já desenvolveu radiotelescópios e os utiliza para comunicação interestelar? Em outras palavras, quanto tempo podemos esperar sobreviver neste planeta e permanecer focados em busca por alienígenas através de ondas de rádio?
 
Aqui também a controvérsia é enorme. Não escapou aos cientistas, desde a primeira formulação da equação de Drake, que as armas nucleares e os mísseis balísticos surgiram na mesma época dos radiotelescópios e das espaçonaves. Será que estamos condenados à autodestruição? Outra pergunta igualmente sutil diz respeito ao nosso nível tecnológico. Por quanto tempo os radiotelescópios nos parecerão a melhor forma de comunicação interestelar? Será que tecnologias melhores aparecerão no futuro, fazendo parecer que tentar falar com ETs por rádio é tão tosco quanto tentar mandar mensagens de fumaça para contatar potenciais marcianos? Não sei. Talvez a radiação eletromagnética seja mesmo a melhor opção de comunicação. Talvez todas as civilizações morram logo depois de atingir sua maturidade comunicativa. Por isso, decidi ser mais uma vez conservador, baseando meu chute no que acredito ser o mínimo realista para a humanidade.
 
Tivemos praticamente um século de radiotelescópios e podemos perfeitamente ter pelo menos mais um. Logo:
L = 200 anos
 
 
  A RESPOSTA
 
Aposto que você está louco para multiplicar todos esses fatores.
 
Vamos lá? N = R* x fp x ne x fl x fi x fc x L N = 2 x 1 x 0,2 x 1 x 0,05 x 1 x 200 = 4
 
Ou seja, neste exato momento, na Via Láctea, se os chutes do Mensageiro Sideral estiverem calibrados, devemos ter outras três civilizações além de nós aptas a captar e transmitir sinais de rádio.
 
Levando em conta o tamanho da Via Láctea e o número enorme de estrelas nela, é extremamente improvável que qualquer esforço de SETI produza um resultado.
 
Seria como encontrar ao menos uma de três agulhas num palheiro de 100 bilhões de estrelas. Por essa perspectiva, não surpreende que nenhum dos esforços de escuta nas últimas cinco décadas tenha produzido algum resultado. Ainda assim, considero esses números extremamente entusiasmantes. Se decidirmos supor que supercivilizações existem e vivem ainda por muito tempo depois que seus radiotelescópios se tornam obsoletos — digamos, 200 mil anos, o tempo de vida da espécie humana –, temos que há 4.000 supercivilizações na galáxia!
 
Alternativamente, podemos pensar que supercivilizações não existem e que qualquer sociedade se extingue rapidamente depois de adquirir tecnologias comunicativas. Ainda assim, se o tempo de vida de uma espécie inteligente for de 200 mil anos, como o nosso, temos 4.000 civilizações tão modestas quanto a nossa, ou mais, na Via Láctea. Isso sem falar na implicação para vida de qualquer tipo. Se estimarmos, de forma conservadora, que a vida, uma vez instalada num planeta, subsiste em média por 1 bilhão de anos (na Terra já se foram quase 4 bilhões!), podemos esperar encontrar 400 milhões de planetas com vida na Via Láctea!
 
Uma estrela a cada 50 similares ao Sol teria um mundo vivo. Se você se lembrar do fato de que existem cerca de 1.250 estrelas dos tipos G e K num raio de 100 anos-luz da Terra, temos outros 25 mundos com vida, só nas vizinhanças. É por isso tudo que, apesar de ser cético quanto às possibilidades de sucesso via SETI, eu acredito muito que descobriremos em breve (coisa de duas décadas) sinais de vida na atmosfera de planetas em sistemas vizinhos. E, como último lembrete, não custa mencionar que deixei de fora do cálculo as anãs vermelhas, estrelas menores que o Sol que perfazem 76% do total na Via Láctea.
 
Se elas puderem ser incluídas, todos esse números acima podem ser multiplicados por cinco! É um vasto Universo e, parafraseando um sujeito mais esperto que eu, mal colocamos os pés na água do oceano cósmico. Tempos entusiasmantes estão adiante de nós. Se sobrevivermos para contar a história, claro.

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